Dep.Federal José Guimaraes teria o controle sob a diretoria do BNB |
No auge do escândalo do mensalão, em julho de 2005, nenhum caso
chamou tanta atenção quanto os “dólares na cueca”, que levaram à renúncia de
José Genoino à presidência do Partido dos Trabalhadores. Um assessor
parlamentar do então deputado estadual cearense José Guimarães (PT), irmão de
Genoino, foi detido pela Polícia Federal, no aeroporto de Congonhas, em São
Paulo. Em suas roupas de baixo, havia US$ 100 mil em espécie. As investigações
indicaram na ocasião que o dinheiro era propina recebida pelo então chefe de
gabinete do Banco do Nordeste (BNB) e ex-dirigente do PT, Kennedy Moura, para
acelerar empréstimos no banco. Passados sete anos, uma auditoria interna do
banco e outra da Controladoria-Geral da União, obtidas por ÉPOCA, revelam um
novo esquema de desvio de dinheiro. Somente a empresa dos cunhados do atual
chefe de gabinete, Robério Gress do Vale, recebeu quase R$ 12 milhões. Sucessor
de Kennedy, Vale foi o quarto maior doador como pessoa física para a campanha
de 2010 do hoje deputado federal José Guimarães.
O poder de Guimarães sobre o BNB pode ser medido a partir da
lista dos doadores de sua bem-sucedida campanha ao segundo mandato, dois anos
atrás. A maior doação de pessoa física é dele próprio. A segunda é de José
Alencar Sydrião Júnior, diretor do BNB e filiado ao PT. A terceira é do também
petista Roberto Smith, presidente do banco no período em que ocorreram
operações fraudulentas e hoje presidente da Agência de Desenvolvimento do
Estado do Ceará, nomeado pelo governador Cid Gomes (PSB). O atual presidente do
BNB, Jurandir Vieira Santiago, vem em 11º. Eleito para a Câmara Federal pela
primeira vez em 2006, com a maior votação do Ceará, Guimarães ganhou poder na
Câmara. Tornou-se vice-líder do governo e passou a ser amplamente reconhecido
como o homem que indicava a diretoria no Banco do Nordeste. No disputado campo
de batalha da política nordestina, o BNB é território de José Guimarães.
O novo esquema de desvios e fraudes no banco nordestino segue um
padrão já estabelecido na longa e rica história da corrupção brasileira: o uso
de laranjas ou notas fiscais frias para justificar empréstimos ou
financiamentos tomados no banco. Assim como na dança de dinheiro dos tempos do
mensalão, as suspeitas envolvem integrantes do PT. Um levantamento feito por ÉPOCA
mostra que, entre os nomes envolvidos nas investigações da CGU e da Polícia
Federal, há pelo menos dez filiados ao PT. Apresentado ao levantamento e aos
documentos, o promotor do caso, Ricardo Rocha, foi enfático ao afirmar que vê
grandes indícios de um esquema de caixa dois para campanhas eleitorais. “O
número de filiados do PT envolvidos dá indícios de ação orquestrada para
arrecadar recursos”, afirma Rocha.
Robério do Vale, chefe de gabinete do BNB |
A maioria das operações fraudulentas ocorreu entre o final de
2009 e o início de 2011. Somados, os valores dos financiamentos chegam a R$ 100
milhões, e a dívida com o banco a R$ 125 milhões. Só a MP Empreendimentos, a
Destak Empreendimentos e a Destak Incorporadora conseguiram financiamentos na
ordem de R$ 11,9 milhões. Elas pertencem aos irmãos da mulher de Robério do
Vale, Marcelo e Felipe Rocha Parente. Segundo a auditoria do próprio banco, as
três empresas fazem parte de uma lista de 24 que obtiveram empréstimos do BNB
com notas fiscais falsas, usando laranjas ou fraudando assinaturas. As empresas
foram identificadas após a denúncia feita por Fred Elias de Souza, um dos
gerentes de negócios do Banco do Nordeste. Ele soube do esquema na agência em
que trabalhava, a Fortaleza-Centro, e decidiu procurar o Ministério Público, em
setembro do ano passado. “Sou funcionário do banco há 28 anos. Quando soube do
que estava acontecendo, achei que tinha o dever de avisar o MP”, diz. O
promotor Rocha, depois de tomar conhecimento do teor e da gravidade das
denúncias de Souza, chamou representantes do Ministério Público Federal, da
Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União para acompanhar o depoimento.
Em um dos casos, fica evidente o aparelhamento político do banco
por membros do PT. Souza denunciou a existência de um esquema chefiado pelo
empresário José Juacy da Cunha Pinto Filho, dono de seis empresas que obtiveram
mais de R$ 38 milhões do Banco do Nordeste, em recursos do Fundo Constitucional
de Financiamento do Nordeste (FNE), entre 2010 e 2011. Para conseguir
financiamentos para compras de máquinas e veículos, foram apresentadas notas
fiscais falsas, segundo o Relatório da CGU. Tudo era feito com a conivência de
funcionários das agências bancárias e de avaliadores do banco. No caso da
empresa Flexcar Comércio e Locação de Veículos, o então gerente de negócios da
Agência BNB Fortaleza-Centro, Gean Carlos Alves, afirmou em laudo ter visto os
103 carros financiados pelo banco. Fred de Souza afirmou em depoimento que uma
fiscalização identificou apenas 33. Segundo a investigação, Alves alterou os
registros referentes aos gravames (documentos de garantia da dívida) dos
veículos para liberar quase R$ 3 milhões para a Flexcar, aceitou notas fiscais
falsas e falsificou o e-mail de um colega. Segundo o depoimento de Fred de
Souza, Alves liberou R$ 11,57 milhões para três empresas de Pinto Filho usando
uma senha dada pelo controle interno do banco e pela Gerência-Geral da agência.
A gerência é ocupada por Manoel Neto da Silva, filiado ao Partido dos
Trabalhadores.
Outras duas empresas de Pinto Filho
obtiveram empréstimos em outra agência de Fortaleza, a Bezerra de Menezes, cujo
gerente-geral é José Ricáscio Mendes de Sousa, também filiado ao PT. Segundo o
depoimento de Souza, foi Mendes de Sousa quem atraiu Pinto Filho para realizar
negócios com o banco. A sexta empresa de Pinto Filho envolvida no esquema,
segundo as auditorias, é a JPFC Empreendimentos, que apresentou notas
falsificadas para justificar um empréstimo de R$ 2,9 milhões. As notas foram
assinadas por Antônio Martins da Silva Filho, filiado ao PT de Limoeiro do
Norte, cidade cearense de onde chegaram à PF outras denúncias envolvendo o BNB,
em dezembro último.
A investigação da polícia está sob segredo
de Justiça, mas ÉPOCA obteve com exclusividade o depoimento de José Edgar do
Rêgo, funcionário do banco há 32 anos. Desde março de 2010, Rêgo é gerente de
negócios do Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar
(Pronaf), coordenado pelo banco, em Limoeiro. Ele delatou um esquema,
investigado pela PF, em que os beneficiados pelas linhas de crédito do banco
não eram agricultores, mas motoqueiros, frentistas, professores municipais e
taxistas. Tudo ocorreu em 2010.
Os projetos aprovados pelo banco eram apresentados por dois
sindicalistas: Sidcley Almeida de Sousa e Francisco César Gondim. Ambos são
filiados ao PT da cidade de Tabuleiro. Em suas visitas ao BNB de Limoeiro, eles
eram sempre acompanhados pelo vice-prefeito de Tabuleiro, Marcondes Moreira,
também do PT. Apesar das irregularidades na identificação dos beneficiados, os
projetos eram aprovados. Entre os citados por Rêgo como envolvidos na aprovação
dos projetos ainda estavam outros dois filiados ao PT: Ariosmar Barros Maia, da
cooperativa técnica de assessoria e projetos, e Samuel Victor de Macena, que
avaliou em R$ 180 mil imóveis cujo valor, medido pelo banco, não passam de R$
53 mil. Os imóveis foram colocados como garantia dos empréstimos.
No meio de seu depoimento à Polícia
Federal, foi questionado sobre a empresa Emiliano Turismo, investigada pela PF.
Disse que “era de conhecimento público em Tabuleiro que a empresa Emiliano
Turismo trabalhava como cabo eleitoral para os então candidatos a deputado
estadual e federal Dedé Teixeira e (José)
Guimarães, ambos do Partido dos Trabalhadores”. O deputado Guimarães nega
qualquer tipo de relação com a Emiliano.
Rêgo disse ainda que a Emiliano Turismo montava projetos para
ser aprovados pelo Pronaf. Ele afirma ter detectado falsificações em assinaturas
do projetista José Ivonildo Raulino, em projetos apresentados pela empresa.
Alguns deles foram aprovados pelo gerente-geral da agência, José Francisco
Marçal de Cerqueira. Devido ao grande número de projetos do Pronaf na agência
de Limoeiro, Marçal determinou que funcionários trabalhassem nos fins de
semana. Alguns contratados passaram a ter a senha de Rêgo, gerente de negócios
do Pronaf, para liberar os recursos quando ele não estivesse presente. Um deles
era Otávio Nunes de Castro Filho, filiado ao PT. Ainda segundo o depoimento de
Rêgo, Marçal autorizava e Isidro Moraes de Siqueira, então superintendente do
banco e atual diretor de Controle e Risco, tinha conhecimento do que ocorria.
Siqueira afirma que, informado das irregularidades, acionou a auditoria interna
do banco. O maior responsável no banco pelos recursos do Pronaf é outro
petista, indicado pelo deputado Guimarães: José Alencar Sydrião Júnior, diretor
de Gestão do Desenvolvimento do banco, setor responsável pela liberação dos
recursos do programa, e segundo maior doador da campanha de Guimarães.
O Ministério Público, Federal ou Estadual,
ainda não recebeu o relatório da CGU nem a auditoria interna do BNB. A quebra
de sigilos bancários dos envolvidos tampouco foi autorizada pela Justiça. Uma
discussão judicial quanto à competência das esferas estadual ou federal para
apurar as denúncias também postergou os trabalhos de investigação. Após várias
idas e vindas, atualmente o processo está nas mãos do promotor do MPE Ricardo
Rocha.
O atual presidente do BNB, Jurandir Vieira
Santiago, assumiu o cargo em junho de 2011. Sua última administração também é
alvo de uma investigação, que no Ceará ganhou o nome de “escândalos dos
banheiros”. Até assumir a presidência do banco, no meio do ano passado, Jurandir
era secretário das Cidades do Estado. O TCE investiga um esquema de
superfaturamento na construção de banheiros em comunidades carentes no interior
do Ceará. Alguns envolvidos já foram intimados a devolver R$ 164 mil aos cofres
públicos.
O deputado Guimarães nega ter conhecimento
das irregularidades e repudia qualquer envolvimento de seu nome relacionado a
desvios de recursos no Banco do Nordeste. Ele diz que o ex-presidente Roberto
Smith foi indicado pelo PT do Ceará com sua anuência. O comando do BNB diz
nunca ter sido omisso quanto às irregularidades e que vários dos envolvidos
foram demitidos. Robério do Vale, chefe de gabinete, afirma que sua função não
interfere no processo de concessão de crédito. Ele diz que o banco deve apurar
as irregularidades e punir os responsáveis. O ex-presidente do banco Roberto
Smith diz não ter tomado conhecimento do relatório da CGU nem das conclusões da
auditoria interna, por estar fora do banco desde 2011. Afirma que, no final de
seu mandato, recebeu denúncia de desvios de crédito e encaminhou para a
auditoria.
Frede Elias de Souza fez as denuncias ao MP |
O promotor Rocha pediu ao banco que
providenciasse segurança a Fred de Souza, autor da maior parte das denúncias.
Souza recusou. Desde então, escapou de um tiro na rua e foi perseguido por
motos duas vezes. Souza foi transferido de horário e função. Hoje, trabalha da
meia-noite às 7 horas, avaliando o trabalho de atendentes do Serviço de
Atendimento ao Cliente do banco. Ali, até o momento, não identificou nenhuma
irregularidade.
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